Uma das principais características do adepto de futebol é, imbuído no espírito emocional, considerar as suas hipotéticas decisões como as mais corretas. Seja em relação a atos de jogadores, a decisões de treinadores ou a análises de árbitros, a tendência natural é a de apontar um caminho alternativo, quase sempre lógico, que traria muito melhores resultados. É essa a essência das conversas de café, onde a divergência costuma acontecer consoante as cores em benefício ou prejuízo. Porém, dificilmente o país teve maior consenso do que a 6 de setembro de 1997, por causa de uma expulsão pouco comum e que, podemos dizê-lo, custou a Portugal a presença no Mundial de França.
O protagonista foi Rui Costa e o vilão foi Marc Batta. Vai ter direito a justificar-se neste artigo, mas fazemos desde já o julgamento, até porque, quer antes, quer depois desse jogo, um segundo cartão amarelo naquelas condições é algo de que dificilmente há registo. Portugal, num grupo dificílimo, tinha tudo para conseguir chegar ao primeiro lugar, com aquela vitória na Alemanha. Mas eis que tudo mudou com a expulsão, que aconteceu por Rui Costa, já com amarelo, ter-se encaminhado para a zona de substituição, onde o aguardava Sérgio Conceição. Motivado pelos assobios de um Olympiastadion de Berlim atestado de alemães, receosos de verem a sua equipa (campeã da Europa) ficar pelo caminho, Marc Batta dirigiu-se ao camisola 10 da seleção nacional e expulsou-o.
Já não haveria substituição, Sérgio Conceição aguardaria mais uns minutos para ser lançado por Artur Jorge, mas para o lugar de João Vieira Pinto, e Portugal acabaria por consentir o golo do empate, da autoria do experiente Ulf Kirsten. O selecionador português ainda arriscaria com Pauleta para os minutos finais, jogando então com ponta de lança - a tática inicial era sem homem na frente e com Pedro Barbosa como novidade, curiosamente o autor do golo da vantagem, ao minuto 71.
Tudo tinha corrido bem até ao tal minuto 74. Sem muitas oportunidades, Portugal fora eficaz e também competente na vertente defensiva, permitindo pouco espaço a Klinsmann e companhia. Compacta, e mesmo sem Baía (Silvino substituiu-o), a equipa lusa sabia que tinha de chegar aos três pontos para completar uma caminhada onde a luta era, desde o início, contra a Alemanha e a Ucrânia, de Shevchenko. Ganhando na Alemanha, chegava ao primeiro lugar e passava a depender apenas de si, tendo apenas mais um jogo pela frente, que ganharia à Irlanda do Norte.
O assunto não foi esquecido. Cinco anos mais tarde, houve um episódio curiosíssimo em Paris, onde Marc Batta apanhou um táxi. Ao fim de alguns minutos, o taxista, que era português, identificou o rosto do seu cliente e não esteve com meias medidas: encostou o carro e convidou o árbitro a sair, com algumas palavras menos amigas, mas às quais o francês não respondeu: acatou e deixou o veículo.
Um exemplo de como os portugueses não esqueceram aquele momento. Rui Costa ainda menos. O então jogador da Fiorentina teve ali, naquele jogo, a única expulsão de toda a carreira sénior. Mais do que para o seu umbigo, o ex-médio olha para a situação com a dor de um país que assim ficou de fora do Mundial de França (o futuro daria outra cor a uma fase final nas terras gaulesas...).
«Recentemente, num jogo no Estádio da Luz para a Liga dos Campeões, ele estava como observador do árbitro e pediu para falar comigo, para dizer que tinha errado, que não estava contente com o que se tinha passado. Eu mandei dizer o que sempre disse e o que sempre direi: ‘Desculpo-o quando ele pedir desculpa ao meu País’. Porque o que ele fez foi prejudicar o meu País. Os próprios jornais franceses escreveram no dia seguinte em primeira página: ‘Batta tira Portugal do Mundial’. E a verdade é que desde 1996 até hoje só falhámos uma fase final de uma grande competição. Foi aquela»,, contou, ao jornal A Bola, 20 anos depois da noite de Berlim.
Rui Costa sempre exigiu um pedido de desculpas do árbitro a Portugal, mas isso não aconteceu. Em 2012, Batta recordou o sucedido e contrariou qualquer arrependimento.
«Se toda a gente se lembra desse jogo, claro que eu também me lembro muito bem. Sei que os portugueses ficaram muito desapontados, mas nós árbitros já sabemos que, por vezes temos de tomar decisões importantes. Não sei se foi difícil, porque ainda hoje acho que tomei a decisão certa. Os árbitros têm de respeitar a lei e nós, quando tomamos decisões, estamos convencidos que são corretas. Foi uma das decisões mais importantes da minha carreira, mas não das mais difíceis», declarou, numa recordação em que assegurou não ter cedido à pressão das bancadas.
O tempo passou, o futebol continuou e aquela foi, até à data (2020), a última vez que a seleção portuguesa ficou fora de uma grande competição. Rui Costa deixou a relva e passou a ter um gabinete, só que continua a não ter uma justificação.
«Não consegui, à data ou ainda hoje, encontrar uma explicação. Foi uma coisa inédita e única na alta-roda do futebol. Não há qualquer lei que determine quanto tempo deve passar para um jogador que vá ser substituído sair de campo. Demorei no máximo 25 segundos a chegar à linha lateral».
1-1 | ||
Ulf Kirsten 80' | Pedro Barbosa 71' |