A 6 de julho de 2015, surgia em Portugal uma notícia vinda de Espanha, daquelas em que muitas vezes se confunde se se trata de FM ou da vida real. Esta era real, ainda que muitos adeptos tenham achado que estavam a jogar Football Manager e que outros tenham optado por criticar a comunicação social. Iker Casillas perto do FC Porto. A lenda do maior clube do Mundo, capitão de Real Madrid e também da seleção espanhola, figura mundial já há largos anos, era apontado ao futebol português. Poderia ter sido apenas uma hipótese fugaz, como tantas vezes se viu. Mas não. Casillas ia mesmo para a Invicta e para o Dragão.
E não foi uma passagem repentina, de uma época apenas, antes de descalçar as luvas ou de voar para um derradeiro destino exótico, atrás de um último contrato milionário num dos campeonatos alternativos mais endinheirados. Pode ter sido uma forma de estar garantidamente no ativo para poder ir ao Euro 2016, como pode ter sido uma via que permitiu ao Real Madrid uma saída airosa de um problema crescente. Mais do que possibilidades, a realidade: o FC Porto recebia nos seus quadros (e o futebol português nos seus relvados) um monstro do futebol mundial.
Só que tudo mudou em janeiro de 2013. Iker lesionou-se e só voltou três meses depois, mas apenas para o banco, já que José Mourinho não o voltaria a colocar. Na época seguinte, mudou o treinador, embora a situação na baliza tenha continuado semelhante. Diego López era o número 1 (ou seja, jogava no campeonato) e Iker aparecia nas taças. O positivo foi que o Real Madrid ganhou a Taça do Rei ao Barcelona e a Liga dos Campeões (contra o Atlético Madrid, que se sagrara campeão espanhol), o que lhe permitiu alguma regularidade e a presença no Mundial 2014. Nessa altura, já muito se discutia quem seria o preferido de Del Bosque, que começou a lançar De Gea, mas que, na hora de escolher, optou pela experiência de Iker no Brasil... dois jogos apenas, pois os espanhóis caíram com estrondo no grupo.
Só que essa sombra foi ainda maior. O espanhol teve alguns lances infelizes e foi crescente o tema em Espanha: estaria o Real Madrid a precisar de mudar mesmo? Estaria Casillas a precisar de sair? Era o fim de linha (e de carreira) para um ícone?
No início de junho de 2015, a saída era dada como inevitável pela TVE e, aí, começaram a surgir rumores e especulações. Falou-se da MLS, o destino mais forte, falou-se da China e do Qatar, falou-se de clubes europeus como a Roma... e claro que não havia qualquer clube português na equação. Só que, um mês depois, passou a haver.
Ainda nem a poeira inha assentado desde que a TVE, à hora de almoço do dia 6 de julho, anunciou o FC Porto como provável destino de San Iker e já o seu empresário dava toda uma roupagem ao assunto. Não era delírio nem especulação, estava mesmo a acontecer.
À noite, já tudo parecia mais claro e multiplicavam-se as opiniões no universo portista, quase todas com natural êxtase, algumas um pouco mais reticentes, quer pela idade, quer pelo salário que o jogador auferiria. Para a última, a resposta viria nos dias seguintes, em que a imprensa foi explicando que o Real Madrid asseguraria mais de metade do vencimento do atleta no FC Porto - não por ser um empréstimo, mas sim para lhe assegurar que não ficaria prejudicado nesse ponto, uma vez que ainda tinha um considerável vencimento a receber nos dois anos de salário que lhe restavam com os madrilenos. Os dragões pagavam ao jogador cinco milhões de euros, os merengues suportavam o resto: oito milhões no primeiro ano, sete no segundo.
Esse foi o último pormenor a ficar fechado e, quando tudo foi selado, Casillas rumou ao Dragão, onde na altura a armada espanhola era considerável - Lopetegui era o treinador e havia vários compatriotas em campo, como Marcano, Tello, Bueno, Ádrian, entre outros. Pelo que o guarda-redes explicou mais tarde, esse foi um dos principais motivos para optar pelo Dragão. Além desse, também a distância, pois não queria continuar no campeonato espanhol, embora querendo manter-se perto de casa, e ainda o clube, claro. Apesar das diferenças de campeonato e de realidades, Real Madrid e FC Porto convergem na exigência contínua de sucesso e foi isso que Iker procurou para se manter vivo... e na Champions.
Dia 11 de julho, à noite, o Real Madrid anunciava o que já ninguém, durante aqueles cinco dias, duvidava que fosse acontecer. Era a oficialização da transferência. Para o dia seguinte, o clube marcava a despedida do icónico guarda-redes, que apareceu na sala de imprensa do Santiago Bernabéu visivelmente emocionado e que teve várias falhas na voz e compassos no discurso durante a cerimónia. As lágrimas eram normais e naturais, como a ligação de 25 anos que ali terminava.
Florentino Pérez escolhia as melhores palavras para um momento delicado: «Iker ganhou durante 25 anos o nosso respeito e o nosso carinho. Jogou com honra no nosso clube, formou-se, foi o nosso capitão e tornou-se numa das referências do madridismo. Vai embora o melhor guarda-redes da nossa história e do futebol espanhol».
Um discurso que, ainda assim, não lhe valeu perdão. Muitos adeptos choraram a saída de um dos maiores símbolos e, dias depois, o presidente do Real Madrid seria bastante criticado pelos representantes do atleta, que o acusaram de «empurrar» Casillas para fora do clube (aliás, negaram a versão que o presidente tornou pública de que a saída tinha sido um pedido do atleta) e de não ter proporcionado uma despedida digna ao guarda-redes, que nem sequer pôde subir ao relvado e que se ficou pela sala de imprensa. Aliás, Santos Márquez, por entre ferozes críticas, diria mesmo que o próprio Cristiano Ronaldo estaria a planear a sua saída, por também sentir desamparo pelo presidente, algo que o tempo encarregaria de confirmar.
A história ficava para trás e pela frente estava o FC Porto. Se dúvidas existissem, a chegada do jogador à cidade Invicta dissipou-as, tanto que o próprio, muito ativo nas redes sociais, bem como muito seguido, escrevia nas redes sociais: «Impressionante! Tudo supera o que imaginava».
Ansioso por «dar êxitos» aos portistas e consegui-los também para o seu vasto e recheado currículo, Iker mereceu também palavras muito elogiosas por parte de Pinto da Costa, que explicou o processo: «As estrelas interessam-nos sempre mas era impensável. Procurávamos um guarda-redes porque o titular, Fabiano, foi para a Turquia e Helton já tem 37 anos, mas nunca pensamos em Casillas. Quando surgiu a possibilidade perguntei se era real e mandei parar tudo. O objetivo já foi, apenas, Casillas. Eu era um grande admirador dele».
As projeções dividiam-se em várias parcelas: os que acreditavam que seria apenas uma época, a pensar em estar no Euro 2016, os que pensavam que seriam as duas do contrato, os que arriscavam a terceira (havia mais uma de opção, embora já sem a participação do Real Madrid). Pois bem, foram quatro temporadas de dragão ao peito.