Um argumento escrito no céu. Pelos deuses do jogo, pela mão (esquerda, claro) de Diego Armando Maradona. Consagração sagrada, o Santo Graal no peito do filho de um D10S maior:
- Lionel Andrés Messi é campeão do mundo.
A Argentina chora, o planeta do futebol tributa o génio dos génios, final de loucura incontida, esquizofrénica, a confirmar que acima disto não há nada. Só mesmo o céu dos imortais, onde já se sentam e aplaudem Cruyff, Eusébio, Garrincha, Di Stefano.
Todos, neste domingo, abraçados ao Barrilete Cósmico, o homem que viajou de um planeta desconhecido e que merecia estar na Terra a viver o dia de ação de graças a Messi.
Nem a tresloucada mente de M. Night Shyamalan se lembraria de um final assim, épico e orgásmico. Um 3-3 que se esticou 120 minutos, até os penáltis aplicarem a mais dura das sentenças à França - derrotada desta forma já em 2006, pela Itália.
O futebol foi justo com o sábio de Rosario. Lionel Messi precisava deste clamor global, desta medalha ao peito, mas o Mundial também merecia ter Messi inscrito no lote de conquistadores.
1978, 1986 e, 36 anos depois, 2022 - o primeiro torneio sem Maradona entre nós só podia ter ido para a Argentina. Congeminações estelares.
As escrituras sagradas de Lionel Messi, as diabruras de Angel Di Maria, a França demasiado tempo fora da final.
Messi define o andamento, coloca o disco na rotação perfeita e rejeita a extravagância sem sentido. Simples, recebe e toca na direita, Julián Álvarez foge, isola Alexis Mac Allister e o rubio assiste para a definição mortífera do Palito, o trunfo jogado por Lionel Scaloni no dia certo.
A oração é o mantra até aos 60/65 minutos. Avé Di Maria, cheio de graça, Messi na relva e no céu, a França entregue a uma sorte que já não é sua. Zangado, Didier Deschamps faz duas substituições antes do intervalo: saem Giroud e Dembélé, avançam Thuram e Kolo Muani. Mais tarde, o jogo daria razão ao selecionador bleu.
O andor carrega o Senhor, Messi só abandona o trono sagrado para caminhar sobre as águas. Os Mandamentos são claros: a tropa de choque rodeia-o e protege-o quando tem bola, e persegue os franceses com o sangue nos olhos quando a bola está do outro lado.
A asfixia resulta até perto do fim. Mas há uma variável por controlar, uma besta do desassossego: Kylian Mbappé.
O primeiro remate do avançado aparece aos 71 minutos. Até aí, nada. Aos 81, vejam bem, já tem dois golos no saco: o primeiro de penálti (falta de Otamendi sobre Kolo Muani) e o segundo num tiro potente, a aproveitar a distração tola de Nahuel Molina.
Messi e Di Maria podem mandar, sim, mas nunca em Kylian Mbappé. O 2-2 atira a final para mais 30 minutos de bola. É a promessa de mais emoção, mais golos, mais corações descontrolados.
Como é possível alguém não gostar de futebol?
Sobressaltos e sustos, demasiados episódios para uma crónica só. O LIVE detalha e exibe o esplendor de 20 homens atrás de uma bola e da bola atrás de dois deles. Sem Di Maria - substituído por Marcos Acuña demasiado cedo -, Mbappé trepa ao patamar superior e joga olhos nos olhos com Messi. Até ao fim.
Para muitos, o filme acabaria aqui. O futebol apaixonado, a prometer mundos e fundos a Messi, a viverem felizes para sempre.
Mas Mbappé não é um tipo de coração mole. Há mais uma bala para disparar e essa bate no braço de Gonzalo Montiel. Penálti para os gauleses, golo e hat trick de Mbappé - desde 1966 que ninguém era capaz de fazer três golos numa final, desde a tarde de sir Geoff Hurst.
Penáltis, pois, tal como em 1994 e 2006. A Argentina não treme e faz os quatro golos a que tem direito, a França cai. Que jogo, que oásis de perfeição no deserto do Catar.
Um jogo para lembrar por muitos anos. Nos cafés, nas redações, nas enciclopédias dos Mundiais.
Lá em cima, bem acima das nuvens, Diego Armando Maradona sorri. O filho e herdeiro desportivo imita-o, supera-o, pega no ceptro do futebol.
O rei é Messi. Um domingo a brincar no parque de todas as maravilhas.
Na arena maior do futebol planetário, três exibições a roçar a perfeição. Impossível separá-los, afirmar que um foi melhor do que outro. Mbappé tem três golos para agarrar a nomeação para MVP, Messi tem dois e duas mãos cheias de futebol cerebral. Di Maria ganhou um penálti, fez um golo e foi até ao limite físico. Três heróis.
O desenrolar do jogo deu razão às mexidas que fez, mas não é normal tirar dois jogadores ainda antes do intervalo numa final do Campeonato do Mundo. Os franceses entraram demasiado tarde no jogo - apesar de o terem discutido até aos penáltis.