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À conversa com Helton, Marante e Guito Madureira

Talentos além relvado: «A música foi sempre uma terapia»

2024/03/26 18:29
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* com Vítor Hugo Monteiro

O futebol, a Oitava Arte, a etérea paixão dos românticos da bola. Casa de artistas, relíquias esplêndidas, o relvado em forma de tela. O artesão de chuteiras concebe obras-primas e hipnotiza os adeptos: da execução de um drible vistoso à felina intervenção de um guardião no último suspiro da partida, o avançado com frieza nas veias e o embate decidido num disparo milimétrico

Há especialistas viciados no desporto-rei, monogâmicos na sua entrega, e há sujeitos de coração grande e aliados a vocações díspares. Verdadeiros talentos que, face à construção de uma carreira no mundo do desporto, estiveram eclipsados durante algum tempo, mas que agora sobem à tona.

Rafael Leão, estrela do AC Milan, enveredou pelo caminho do hip hop, sob o nome Way 45, e Pedro Rebocho, lateral esquerdo agora no Al Khaleej, é apelidado no paradigma musical como StiffWrist

Jackson Martinez, nome célebre do futebol português, dedicou-se a composições de componente religiosa, mas os nomes não se quedam por aqui. Jesé Rodríguez e o Reggaeton, Petr Cech e a bateria, Rodrigo Zalazar e o piano... ligações de cumplicidade que se estendem do palco do futebol ao mundo de outras artes. 

O lote de autores duais é bastante amplo. E junta mundos vários. Nesse sentido, o zerozero esteve à conversa com Marante Guito Madureira e Helton, com o intuito de mostrar a forma como cada um destes intervenientes concilia a arte dentro e fora de campo.

Conquistar a bola antes de conquistar o palco

Marante. Eis um daqueles singelos nomes que nos vem imediatamente à cabeça quando se fala de música popular portuguesa. Qualquer relação com a atividade desportiva fica, naturalmente, remetida para canto. Aliás, poucos são os que conhecem a ligação do cantor com o mundo futebolístico: a verdade é que o Menino de Barqueiros calçou as chuteiras antes de segurar no tão familiar microfone.

Foi ao serviço do SC Salgueiros, um dos emblemas históricos da Invicta, que o célebre intérprete escreveu os principais capítulo da carreira. Foi também no velho Salgueiral que colecionou as melhores histórias: desde o hat-trick pelos juniores da Seleção ao dia em que defrontou um tal de... Eusébio da Silva Ferreira.

«Tive a felicidade de jogar contra ele para a Taça de Portugal. Perdemos [risos], mas também não haveria outro resultado possível. Foi inesquecível jogar no mesmo retângulo de jogo dele e do Jaime Graça, por exemplo. Bastou olhar para ele para ficar logo assustado», referiu numa primeira instância.

O antigo atleta valorizou, ainda, outros jogadores pelos quais possui uma grande admiração: «Pelo mundo fora há grandes futebolistas, como o Messi ou o Ronaldinho. Já para não falar do Pelé, que foi uma coisa mais séria. Também não me posso esquecer do Yazalde e do Mário Jardel, tudo referências que dificilmente esquecemos. Sou um apreciador de bons jogadores e em Portugal temos vários. Às vezes, até me interrogo do porquê de irem buscar jogadores lá fora, com a qualidade que temos no nosso país», acrescentou.

Número 'sete' nas costas e muita paixão

No baú do artista de 75 anos, uma exibição soberba valeu-lhe uma surpresa bastante agradável: «Marquei um hat-trick no Estádio das Antas pela Seleção nacional de juniores. No treino a seguir, um diretor desportivo veio dizer-me que tinha uma carta da FPF para ir treinar à Seleção A. Soube, aliás, que fui recordado pelo já falecido Artur Baeta.» 

O bichinho pela modalidade surgiu em tenra idade, aos 15 anos, altura em que ingressou nas camadas jovens do SC Salgueiros. Para além do clube referido anteriormente, CD Portugal, Estrelas de Fânzeres e ARC OS Fluminenses foram as paragens onde o garçon serviu prestações memoráveis. No entanto, o último destino não foi ao encontro das suas expetativas.

«Não gostei muito. Havia sempre barulho e andava tudo à porrada. Se houvesse um jogo sem luta, era estranho. Havia três ou quatro polícias para 300 ou 400 pessoas. É fácil imaginar o problema que aquilo dava», confessou.

Poucos viram Marante dentro das quatro linhas. Como tal, quem melhor para descrever as suas aptidões do que o próprio? «Fui sempre extremo direito, sendo que em alguns jogos variei de posição, passando por defesa direito, defesa esquerdo, médio e até ponta de lança, apesar de só ter 1.70 m. Eu fui sempre o 'sete', o mesmo número do Cristiano Ronaldo, mas não tinha nada a ver [risos]. Como em tudo na minha vida, era bastante dedicado. Era um profissional a sério. Eu gostava daquilo, nem saía à noite.»

O diapasão que abalou uma carreira 

Após o bonito percurso com a bola nos pés, nada fazia prever que o nosso protagonista fosse enveredar por um caminho tão ou mais peculiar. No entanto, a vontade em fugir da rotina chamou mais alto: «O meu pai ensinou-me a tocar viola, pelo menos quatro notas. Comecei a juntar-me com um grupinho de rapazes e andávamos a tocar em matinés. O problema é que eu trabalhava e não conseguia conciliar as duas coisas.»

Posto isto, após fundar o Agrupamento Musical Diapasão em 1980, o cantor dedicou-se a tempo inteiro às suas composições. Uma escolha que acabou por ser certeira. A Bela Portuguesa, Dá Cá, Dá Cá, Dá Cá e A Transmontana são alguns dos temas que fizeram grande sucesso no paradigma lusitano. Questionado sobre uma eventual ligação entre o futebol e a arte, o ex-jogador foi perentório, dando um exemplo pessoal.

«Claro que existe. Segundo dizem, Picasso foi o melhor pintor de sempre. No entanto, há inúmeros pintores, como há muitos ciclistas ou automobilistas, mas são todos diferentes uns dos outros. Os futebolistas não fogem a esta regra, apesar de existirem alguns que se sobressaem mais. Eu nunca me julguei melhor nem pior... sou diferente

Retrato de uma vocação

Largamos os palcos e pegamos, delicadamente, no lápis grafite. Guito Madureira, atleta do Maia Lidador, demonstra ser um ás no que à ilustração diz respeito, mais precisamente no género retratista.

Durante a sua curta passagem pelo plantel principal do Boavista, o jovem atleta desenhou, de forma exímia, o rosto de vários jogadores dos axadrezados. Os retratos fizeram furor no seio do balneário.

Pedro Malheiro, Gaius Makouta e até mesmo o campeão do mundo Adil Rami já serviram de inspiração para o trabalho do jovem futebolista. Também o internacional português Bruno Fernandes pode orgulhar-se de ter uma obra do colega de profissão em casa.

A habilidade do defesa surgiu de uma maneira circunstancial, numa fase onde reinava o aborrecimento: «Comecei a fazer retratos na pandemia, sendo que no décimo ano tinha escolhido 'Artes'. Ainda não tinha o gosto por desenhar pessoas mas, na altura, quando não tinha nada para fazer, fui ao YouTube e comecei a aprender.»

O jogador, de 21 anos, revelou que teve de se «aplicar bastante», num curto espaço temporal, para aprimorar o seu hobbie e admitiu ainda que esta competência melhorou os seus índices de «paciência e concentração» quando pisa diariamente o relvado.

A página de Instagram @guitoartwork, criada pelo próprio, procura dar visibilidade e, ao mesmo tempo, ajudar a rentabilizar as suas criações. Todavia, o central confessou que a sua principal fonte de rendimento não advém do potencial artístico.

«Não consigo viver exclusivamente de retratos. Atualmente, o principal foco é o futebol, mas, caso o desporto não funcione, adorava continuar a fazer desenhos e, quem sabe, poder viver disto», rematou. 

Ritmo da alegria ao som do batuque

Muitas das vezes, a música funciona como um escape. Há quem goste de a ouvir, mas também existe quem prefira produzi-la, num desafio que escapa à zona de conforto. Os atletas de alta competição não são diferentes dos demais. A curiosidade pelos tons e melodias pode levar qualquer um a aprender um instrumento e a criar o seu próprio estilo.

@Getty /

Helton, ex-guarda-redes do FC Porto, sempre demonstrou um gosto especial pela alegria que o batuque transmite. Quando os dragões conquistavam títulos, lá estava o internacional brasileiro, com a sua habitual boa disposição, a entreter calorosamente os seus colegas. Questionado sobre a génese da sua vocação, a polivalência artística do guardião foi destaque.

«Trouxe este hábito do Brasil graças à influência da minha mãe, que foi vice-presidente de escolas de samba. A música esteve sempre comigo. Tive a oportunidade de começar a tocar pandeirola. Depois conheci outras coisas, como o cavaquinho brasileiro, a viola e o surdo. Também estou confortável com o tantã, repique de mão, escaleta, bateriapiano», começou por dizer.

O guardião, de 45 anos, abriu o livro sobre a preponderância que os diferente ritmos têm na sua vida: «Para mim, a música foi sempre uma terapia. Encarei-a sempre como o meu braço direito. Era o que me deixava mais tranquilo em momentos de maior aperto e ainda ajudava a expressar-me», confessou.

Esta forte simbiose levou à criação do projeto Banda H1, que toca, principalmente, em casamentos e batizados. Segundo o goleiro, a vontade de atuar em eventos mais festivos prende-se com o «convívio»: «Não queremos estar só num palco a existir. Adoramos interagir com as pessoas. É assim que nós nos divertimos e sentimos confortáveis.»

Contudo, Helton Arruda revelou uma grande novidade, guardada certamente para um futuro próximo: «Vou publicar temas originais, com participações dos meus amigos. Alexandre Pires, Gabriel O Pensador, Jorge Aragão, Seu Jorge e Zeca Pagodinho gravaram todos comigo. O meu sonho é encontrar alguma empresa que esteja interessada em apoiar o nosso projeto. Quero percorrer o país todo

Festa em Dublin? O Helton comanda

Sete campeonatos nacionais, quatro Taças de Portugal, uma Copa Libertadores, uma Copa América, entre tantas outras conquistas onde foi ator principal. No entanto, o antigo futebolista foi perentório no que toca ao melhor momento da sua recheada carreira.

Helton
Total
576 Jogos  51690 Minutos
529   36   1   02x

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«Dia 18 de maio de 2011, em Dublin. Um momento muito especial para mim. Foi ótimo porque consegui dar um miniconcerto após a vitória da Liga Europa [diante do SC Braga]. Para além disso, culminou no dia dos meus anos [risos]. Foi um jogo que ficou na minha memória porque toquei no estádio e fora dele. Foi maravilhoso», referiu com uma certa nostalgia.

Ainda assim, largar a modalidade que também lhe deu tem-se revelado uma tarefa complicada: «Pensei que tinha ultrapassado o bichinho pelo futebol, mas afinal não. Sempre que posso, colaboro com o mister Nuno Pires, um amigo meu que é treinador do SC Canidelo. Não sinto muito a falta de jogar, mas gosto de estar envolvido de alguma forma», finalizou.

Brasil
Helton
NomeHelton da Silva Arruda
Nascimento/Idade1978-05-18(46 anos)
Nacionalidade
Brasil
Brasil
Dupla Nacionalidade
Portugal
Portugal
PosiçãoGuarda Redes

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