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    Campo Pelado
    Pedro Jorge da Cunha

    A Revolução de André

    2024/04/30
    E2
    «Campo Pelado» é o espaço de opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Uma homenagem ao futebol mais puro, mais natural, onde o prazer da camaradagem é a única voz de comando. «Campo Pelado».

    * Chefe de Redação 

    Revolução, em maiúsculas. Não é hipérbole, antes realidade. O triunfo de André Villas-Boas, pela contundência dos números e pelo conteúdo das propostas, é um dos momentos mais marcantes na vida do FC Porto e na história do futebol português. 

    Não é empreitada simples efabular uma explicação solitária para a ascensão ao trono. Há, talvez, uma conjugação de sensações e necessidades associadas a ideias bem sustentadas, compatíveis com a modernidade que o futebol agora exige. 

    80,3 por cento. 

    Um número para os compêndios e a eternidade. Mais de 21 mil almas portistas gritaram «basta», cansadas da degradação financeira, desportiva e moral que corroía as entranhas do seu Futebol Clube do Porto. 

    O presidente cessante, incapaz de ler os sinais do povo e mal aconselhado por gente de interesses dúbios e desejos inconfessáveis, caiu com o estrondo clássico dos finais de intermináveis regimes. 

    Jorge Nuno Pinto da Costa é o primeiro responsável por esta deposição. Teve na mão a honradez e escolheu a soberba; pôde optar pelo unanimismo e carregou na tecla da humilhação. Bastava um assomo de lucidez para ter abdicado em 2016 ou em 2020, quando o clube já se sentava ao colo de empréstimos mal intencionados e com taxas de juro incomportáveis. 

    A última década portista é uma história tenebrosa. Os Relatórios e Contas revelam boa parte desse pântano de dívidas e inconsciência, mas o puzzle da encenação desta SAD em fim de vida não é feito apenas de números. 

    Como se explica a influência ubíqua de um tal Pedro Pinho em tudo o que é negócios? Basta ver quantas vezes surge a empresa PP Sports nas transações das últimas temporadas, quase em serviço de monopólio; e bastava, já agora, estar atento ao que se passava em corredores e túneis de acesso aos balneários, com esse senhor a primar pela presença simbólica em todo o lado. Um homem que, ao que se sabe, nunca foi funcionário do FC Porto. 

    Muitos se lembrarão, penso, da agressão perpetrada a um repórter de imagem da TVI em Moreira de Cónegos. Autor? Esse mesmo, a sombra de Pinto da Costa, negociador de dragão ao peito e que nunca, jamais, fez parte dos quadros do clube. 

    O surgimento surpreendente de João Rafael Koehler não foge a este raciocínio. Passou de crítico a muleta de Pinto da Costa, portador de malas carregadas de dinheiro e ambições enigmáticas. O povo não costuma apreciar figuras sibilinas. 

    Desportivamente, a equipa foi mantendo uma razoável competitividade, interna e externamente, até à atual época. A pior da era-Conceição, ele próprio um ator imprevisível. Há uns meses considerava um absurdo renovar contrato com uma direção em final de mandato; a dois dias das eleições, renovou esse mesmo contrato - e desrespeitou, parece-me, a liberdade de escolha de André Villas-Boas e dos 21 mil sócios que o escolheram.

    Más Finanças, más companhias, resultados apenas razoáveis, ações de desespero (processo inenarrável da academia, acordo a 25 anos com a Ithaka)... e o que mais? 

    Os gravíssimos incidentes da AG de 13 de novembro e a reação miserável de Pinto da Costa, de absoluta altivez e indiferença para com os sócios atingidos, são fundamentais para completar esta leitura. Ao escutar portistas, centenas deles, ao longo dos últimos meses, percebi a deceção e a revolta. Percebi o desejo visceral de mudança e da confiança em AVB para executar esse plano. 

    A Operação Pretoriano foi, neste particular, decisiva para a abolição do medo e da repressão. Evitou que o Porto se transformasse numa città italiana dominada por forças mafiosas. Uma vénia à Justiça rápida e defensora do espaço público e social. 

    A Revolução de André. A exigência será altíssima, naturalmente, mas a equipa escolhida dão garantias de rigor e independência. Dão, porventura, a certeza da recuperação de um ambiente respirável no Dragão, queira a purga ser certeira e levar para bem longe figuraças e figurinhas que tão mal fizeram ao FC Porto. 

    Não me refiro, que fique bem claro, à esmagadora maioria dos funcionários portistas. Bastava falar com alguns deles, nas vésperas do sufrágio, para saber que 90 por cento torciam pela Lista B e pelas promessas de um novo amanhã. Afinal, foram eles os primeiros a sofrer com as contas péssimas e as habilidades contabilísticas. 

    Desafios, muitos desafios tem André pela frente. Escolher bem o treinador, repensar o plantel, modernizar as instalações, encontrar parceiros financeiros credíveis, acertar com os nomes para a formação e as modalidades, enfim, um projeto gigantesco. 

    Pelo que diz, pelo que sabe e pelo que sente, André Villas-Boas é o homem certo no lugar certo. Basta seguir o caminho para onde o leva o coração.

    PS: Pinto da Costa transformou a alergia em fazer campanha em urgência em fazer campanha. Não podia ter sido pior. Ataques pessoais, insultos, piadinhas de mau tom e pior gosto. Apesar deste refluxo de mixórdias, André Villas-Boas escolheu a concórdia e fugiu a esse confronto verbal. Estou certo que manterá a decisão quando chegar ao Poder e dará maior ênfase ao legado do que às atitudes recentes. Será o melhor para todos e, acima de tudo, para o FC Porto. Afinal, a instituição está acima de tudo e de todos, mesmo dos que advogam divindades e bulas papais. É aos sócios, e sempre aos sócios, que compete endeusar e endemoninhar. No altar estará, apenas e só, o emblema do dragão. 



    Comentários

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    motivo:
    AVB
    2024-04-29 18h26m por The-Watcher
    O Sérgio vai ficar na história como um dos melhores e mais marcantes treinadores do Porto mas está na hora de um novo ciclo. Uma ideia de jogo e estar diferente.
    MA
    AVB
    2024-04-29 13h02m por Mano_Bambino
    Que seja uma presidência competente, clara, honesta e justa.
    Não mater o treinador atual, vender o Grujc , Ivan Jaime , Toni Martinez e não renovar o Taremi.
    Contratar um treinador com ideias clara de jogo ofensivo

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