*com Alexandre Sequeira Ribeiro
Dia 18. Chamada telefónica feita ao fim da tarde. Do outro lado da linha, Artur André, jogador do Lusitânia em 1963/64, agora na flor dos seus 84 anos. No pós-apresentações, o momento de combinar o encontro. Sem querer, de todo, ser evasivo, propomos realizar a conversa num café à escolha do local. Proposta prontamente recusada. «Não, podem vir cá a casa, sem problema. Já vos dou a minha morada». Uma resposta, tendo em conta os curtos segundos de conversa e de conhecimento mútuo, que levantava suspeitas de amabilidade aguda, mais tarde confirmada.
Dia 19. Conferência de imprensa de Ricardo Pessoa feita, era hora de seguir meticulosamente todas as indicações anteriormente dadas. Nova chamada telefónica, já no local, para confirmar a casa. Em simultâneo, inicia-se uma conversa com uma senhora que nasce da janela. Era a filha. «Vai ser com vídeo?». Resposta negativa. «Eles não vão tirar fotografias, pai. Não precisas ir trocar de roupa». O pormenor de fugir rapidamente para aprumar a veste, mesmo que tendo sido impedido, conquistou-nos. Queria estar bem, apresentável — sempre esteve —, em prol da entrevista, para tudo correr pelo melhor. Enfim, detalhes.
Segundos depois, abre-se a porta. Cumprimento afável e inicia-se a conversa.
Zerozero: Olhe, Sr. Artur, hoje entrámos na sede do Lusitânia e vimos lá uma fotografia sua.
Artur André: A sério? Outros tempos...
ZZ: Ainda por cima, era da época de 1963/64, uma das melhores de sempre do seu Lusitânia.
AA: Foi uma época de ouro, realmente. Uma época em que ganhámos tudo. Ganhámos aqui, ganhámos o torneio açoriano, no Faial, fomos à Madeira... A nível da regional, Madeira e «Ultramar», foi tudo. Não é por acaso que dizem que o Lusitânia é o mais campeão dos campeões (risos).
ZZ: Disse Ultramar?
AA: Sim. Até aí não havia eliminatórias com o «Ultramar». Eliminámos o Ferroviário Lourenço Marques (equipa moçambicana) nos quartos e, depois, íamos jogar contra o FC Porto.
ZZ: Pois, nesse jogo houve assim umas histórias… Não foi? (as mãos faziam gestos tremidos)
AA: (risos) Houve uma história, sim. Viajámos com o FC Porto (depois do jogo contra o Ferroviário) para os Açores no mesmo avião. A TAP, antigamente, só ia para Santa Maria e, depois, tinha uns aviões mais pequenos, que transportavam para as outras ilhas. Embarcámos nós e o FC Porto ia embarcar logo a seguir. Soltou-se um atrelado, daqueles de carga, foi contra o avião do FC Porto e fez uma amolgadela. Eu vi, estava numa janela do avião. Foi e pumba. Por isso, não levantaram, não vieram para cá.
ZZ: ...
AA: Foi cedido, pela Força Aérea, um avião para os ir buscar a Santa Maria, mas não quiseram porque não tinham seguros.
[Há um arregalar de olhos mútuo, como quem invalida a justificação apresentada.]
AA: Na TAP, para Santa Maria, viajou o FC Porto, o Lusitânia, os dirigentes da Federação, o árbitro, tudo junto. Depois, no dia marcado, entrámos em campo e o árbitro deu o jogo por terminado.
ZZ: Com as bancadas cheias, imagino.
AA: Com muita, muita gente. Sabiam que o FC Porto não estava, mas eram as meias-finais da Taça e estavam todos curiosos para ver o que se ia passar.
ZZ: E a meia-final da Taça ia ser a duas mãos?
AA: Não. A partir dos quartos de final, era só uma mão, se não estou em erro. Era só um jogo, cá.
ZZ: Porque é que se decidiu que era o FC Porto a passar e não o Lusitânia? Supostamente, a falta de comparência foi do Porto, por isso devia ser o Lusitânia a...
AA: Pois, eu também acho que sim, não é? Eu não sei se houve algum acordo para eles não virem e nós recebermos alguma coisa. Não faço ideia, não vou inventar. Sei que eles é que passaram e nós ficámos atrás.
ZZ: ...
AA: Depois, o FC Porto foi à final com o Benfica. Acho que perdeu 6-2. Levou uma tareia e ficámos todos contentes. Eu já sou do Benfica, mas ainda ficámos mais contentes porque aquilo, para nós, foi uma espécie de vingança. (risos)
ZZ: Como o senhor já disse, eram outros tempos.
AA: Ui, já lá vão os anos. São quase 60, porque o «jogo» foi em junho de 1964. Uns anos bons...
ZZ: E depois nunca mais se soube nada para o FC Porto vir cá à ilha?
AA: Nada, nada. Penso que, uma vez, o Lusitânia tentou convencê-los a vir cá, passados muitos anos. Acho que houve uma promessa, com um diretor, para haver um jogo particular e a receita ser toda para o Lusitânia, mas até hoje... Eles quando veem que é o número do Lusitânia deixam tocar. (risos)
ZZ: E, se o jogo tivesse acontecido, acha que tinham hipóteses?
AA: Olhem que não sei! Tínhamos uma equipa muito boa. O FC Porto também tinha, mas como era campo pelado e nós estávamos mais habituados ao campo... Nunca se sabe! Já chegámos a ganhar a equipas da Primeira Divisão.
ZZ: Nessa temporada?
AA: Nessa não, mas em anteriores ganhámos várias vezes a equipas da Primeira Divisão... Mas contra o FC Porto, mesmo que não ganhássemos, gostávamos muito de ter jogado contra eles.
ZZ: Claro, também deviam estar cheios de figuras históricas…
AA: Sim. Eu não me lembro de todos, mas lembro-me de dois. O Hernâni, que foi um grandioso jogador do FC Porto e um grande internacional, e um defesa esquerdo chamado Salazar. O treinador, se não me engano, era o Otto Glória. Do resto não me lembro. Também, naquela altura, não tínhamos televisão, um homem inquietava-se para ouvir o relato…
ZZ: E, Sr. Artur, está com medo que o Benfica não apanhe agora o voo?
AA: (risos)
ZZ: Vai amanhã ver o jogo?
AA: Se não houver nada pelo contrário, lá estarei. Se chover muito…
ZZ: Está previsto, creio eu.
AA: Vamos ver. Também até lá isso muda. O Nosso Senhor vai permitir.
ZZ: E está confiante?
AA: Eles são melhores, mas isto depois da bola rolar… Nunca se sabe!