Mais ou menos controlada, mais ou menos irracional, a rivalidade faz parte da essência do futebol. São muitas as razões para que por esse planeta fora algumas equipas não sintam um especial prazer por outras. Umas vezes a religião, outras a política, outras a própria geografia, não faltam motivos para que quase todos os grandes clubes tenham um ou, como muitas vezes acontece, mais do que um ódio de estimação.
A história entre Barcelona e Real Madrid mostra que num mesmo país e contexto podem coexistir duas formas de ver o futebol, o desporto e até a própria vida em sociedade completamente diferentes. Os dois grandes símbolos desportivos de Madrid e da Catalunha construíram um autêntico mito durante as últimas décadas e poucos foram aqueles que conseguiram unir algo tão complexamente e profundamente diferente.
Pois bem, as próximas linhas serão dedicadas a um génio do futebol que cometeu a proeza de levantar aqueles que representavam o outro lado da história. Ronaldinho Gaúcho, o protagonista. Santiago Bernabéu, o local. Parece que ainda foi ontem que o jogo só teve um dono.
A carreira desse internacional brasileiro foi recheada de grandes momentos. O golo à Inglaterra de livre no Mundial 2002 (2x1), a bicicleta que desafiou as leis da gravidade contra o Villarreal (4x0), aquele arco contra o Chelsea que deixou o então melhor do planeta Peter Cech pregado ao relvado (4x2). Mas a música no Bernabéu foi mesmo de outra galáxia.
A superioridade da própria equipa ajudou, é claro. Por aqueles dias, o Real era pouco mais do que um conjunto de grandes estrelas, desordenadas e desorganizadas, sem uma base que as sustentasse e as fizesse brilhar. Do outro lado havia uma outra preocupação coletiva e uma outra organização, sem que nunca o talento ficasse ofuscado, bem pelo contrário. Deco, Messi, Eto´o, os amigos que Ronaldinho encontrou para brincar no recreio.
Sim, porque chegou mesmo a parecer uma brincadeira de criança aquilo que o canarinho protagonizou num ambiente de hostilidade. Confiante, criativo, inventivo e inteligente, o segundo dos «Ronaldos» deu uma autêntica lição de bem jogar, de futebol associativo e, ao mesmo tempo, de rua, ingénuo mas incrivelmente eficaz e até estético. Irresistível, até para o mais ferrenho dos adversários.
Michel Salgado, mítico lateral direito do Real Madrid, levou com a fava. Apesar da marcação agressiva, em cima, a tocar no limite da razoabilidade, por vezes, o craque e melhor jogador do Mundo arranjava sempre maneira de contornar. Um passe, uma simulação, um toque mais artístico, e o jogo avançava para junto da baliza de Casillas sem que nada nem ninguém o pudesse impedir.
E ele lá foi por ali fora, rumo à eternidade. Se o primeiro golo ajudou a encaminhar praticamente os três pontos de volta para Camp Nou, o segundo teve o condão de unir todo um estádio pela celebração de um talento único. Ronaldinho do Barcelona aplaudido pelos do Real de Madrid. Impossível de esquecer.