zerozero – O FC Porto-Inter de Milão está a chegar. O que se recorda do duelo de 2005?
Marek Cech - Tenho memórias muito fortes, falo muito desse jogo. Foi a minha estreia pelo FC Porto e logo a titular na Liga dos Campeões. Fui muito preocupado para o jogo, muito nervoso. Lembro-me de ligar à minha mulher e de lhe dizer que era mais fácil ser lixeiro, era uma vida menos stressada (risos). Jogar em frente a 50 mil pessoas, no meu primeiro jogo, com a claque atrás, era uma pressão grande. Não sabia o que podia acontecer. Correu bem e ganhámos 2-0.
zz – Para primeiro jogo não foi nada mau.
MC - Ganhei a titularidade para os jogos seguintes e mostrei que tinha caráter para jogar no FC Porto. Depois do jogo, os jornais escreveram que o Marek Cech segurou o Figo. Fiquei muito feliz. Pensei muito antes do jogo, estava bastante nervoso por ter de marcar uma estrela mundial como era o Figo.
zz – O Figo já estava em final de carreira, mas ainda dava trabalho.
MC - Foram dois jogos difíceis para mim e em ambos tive de controlar o Luís Figo. Eu já tinha jogado na Champions pelo Sparta Praga, só que no FC Porto a exigência era outra.
zz – No Dragão, o FC Porto ganhou e jogou bem. Mas em Milão não foi assim, ainda por cima num estádio sem espetadores.
zz – Esse Inter de 2005 era uma equipa acessível?
MC - Era um Inter muito forte. Tinha o argentino Julio Cruz na frente, não me esqueço de um tackle dele sobre mim. Era para vermelho, mas o árbitro só lhe deu o amarelo. Foi uma carga violentíssima.
zz – O Marek Cech esteve três anos no FC Porto e foi sempre campeão nacional. Era fácil ser campeão no FC Porto?
MC - Tive grandes equipas no FC Porto. Acho que os adversários tinham medo quando nos viam a chegar. No primeiro ano tivemos sempre um grande avanço no campeonato. Era fácil ser campeão pelo FC Porto nessa altura. Pelo menos nos dois primeiros anos, no terceiro já foi mais apertado. Tive equipas muito boas comigo.
zz – O seu primeiro treinador foi o Co Adriaanse. Era rigoroso, disciplinador, até polémico como dizem?
MC - Eu adorava o Co Adriaanse. Deu-me muito. Eu gostava mais de atacar do que de defender e ele permitia-me isso. O Co não gostava de estrelas. O problema é que o senhor Adriaanse achava que a estrela maior tinha de ser ele. Por isso teve problemas com os jogadores consagrados, com maior experiência. Comigo não, nunca teve.
zz – E saiu repentinamente no estágio de pré-época em 2006.
MC - Toda a malta ficou feliz com a saída do Co Adriaanse. Eu não, fiquei a chorar, vi que estava a sair o meu pai. Percebi que a minha vida no FC Porto ia ser mais difícil sem ele. Quando há uma mudança no balneário, tanto pode calhar bem como pode calhar mal.
zz – O Jesualdo era muito diferente do Adriaanse?
MC - O Jesualdo foi um treinador mais tático, menos aberto ao futebol ofensivo, mais preocupado com os equilíbrios e menos espetacular. Era outro estilo de jogo.
zz – Quem eram os melhores amigos do Marek no balneário do FC Porto?
MC - Telefono a qualquer um deles e falo sem problemas, como se ainda jogássemos juntos. Quando cheguei ao FC Porto, não me esqueço da simpatia do Benni McCarthy, do Bosingwa, do Raul Meireles, do Quaresma, do Paulo Assunção. Criámos um grupo perfeito, o ambiente era muito bom. Falo com muitos amigos futebolistas, alguns que passaram por outros gigantes da Europa, e todos me dizem o mesmo: a grande diferença no Porto era a organização. Não falhava nada, nenhum detalhe.
zz – Saiu no final do terceiro ano. Porquê?
MC - O clube não me pressionou para sair. Por mim, sinceramente, tinha ficado muitos mais anos no FC Porto, mas também nunca fui um jogador para estar muito tempo sem jogar. Queria mais e mais. Tive algumas propostas, falei com o FC Porto, com o meu empresário e senti que o WBA fez um esforço enorme para me contratar. O treinador era o Tony Mowbray, eleligou-me e garantiu-me que eu ia fazer mais de 50 jogos. Era a Premier League.
MC – Muito diferente, muito. O futebol era ótimo, adorei, era um estilo ofensivo. Os países que gostei mais para jogar foram Portugal e Inglaterra. Para viver adorei Itália. Engordei dois quilos, era só comer massas e pizzas (risos). Mas não gostei nada do campeonato, era tudo excessivamente tático, muito fechado, não gostei. Joguei no Bolonha e no Como, mesmo no fim da minha carreira. O meu passe ainda está no Como (risos). Deixei de jogar quando senti que já não valia a pena sacrificar a família em nome do futebol. Mas ainda estava bem.
zz – Em janeiro de 2015 tornou-se num surpreendente reforço do Boavista. Como é que isso se concretizou?
MC – É verdade. Estava a viver em Portugal há meio ano, jogava só futebol com amigos e certo dia recebi um telefonema do Fary Faye, responsável pelo futebol do Boavista. Perguntou-me se eu estava interessado em voltar a jogar. Gostei muito da experiência. A equipa não tinha grandes nomes, mas a raça do Petit estava lá. Criámos um grupo bonito e a manutenção. Fiquei triste por não poder continuar.
zz – A intenção do Marek era jogar mais uns anos no Boavista?
MC – Era essa a minha vontade e a do clube. A direção e o Fary disseram-me que ia continuar, mas no final da época tivemos uma reunião e informaram-me que afinal não ia ser assim. Tive pena. Grande clube, grandes adeptos, pertinho de casa, estádio ótimo.
zz – Costuma ir ver jogos ao Dragão e ao Bessa?
MC – Mais ao Dragão, os meus filhos são malucos pelo FC Porto (risos).
zz – Sabemos que tem uma camisola do Cristiano Ronaldo guardada religiosamente.
MC – É verdade, está na minha casa na Eslováquia. Eu joguei pelo Sparta contra o Manchester United e no fim do jogo fui ao balneário deles. Pedi ao Cristiano para trocar a camisola e ele disse ‘ok, ok’. Fiquei à espera, o Cristiano saiu do balneário e cumpriu o prometido. Depois voltei a jogar contra ele em Inglaterra, falámos um pouquinho e o Cristiano disse que se lembrava de me ver a jogar pelo FC Porto. Ele seguia sempre o campeonato português.zz – Contra o Messi nunca jogou?
MC – Nunca joguei, mas eu gosto mais do Ronaldo (risos).
zz – Numa carreira longa, o Marek terá boas histórias para contar aos amigos.
MC – Muitas não posso revelar aqui (risos). Conto uma de Itália. No FC Porto e em Inglaterra safei-me sempre dos ‘batismos’, nunca tive de cantar em frente aos meus colegas. Em Itália fui apanhado, mas dei a volta às coisas porque um colega fazia anos nesse dia. Por isso cantei-lhe o ‘tanti auguri’, o ‘parabéns a você’ deles. Não foi mau.
zz – Voltemos atrás. Como é que o FC Porto o descobriu?
MC - Eu jogava no Sparta Praga, mas se não fosse a seleção da Eslováquia o FC Porto não me descobriria. Fui jogar o Mundial de sub20, nos Emirados Árabes Unidos, e no primeiro jogo marquei um grande golo de fora da área, a 30 metros num remate muito forte. O jogo estava a ser transmitido para todo o planeta e o FC Porto descobriu-me aí.
zz – Que memórias tem da sua infância em Trebisov?
MC - A minha infância em Trebisov foi tranquila. A minha mãe trabalhava num supermercado, o meu pai foi futebolista profissional e depois treinador. Tenho um irmão, o Ricardo, que agora é empresário de futebolistas. Foi jogador, mas deixou por culpa de uma lesão. Jogávamos à bola, era tudo muito pacífico, a minha mãe vinha à porta chamar-nos aos berros para irmos jantar. O meu pai também foi massagista e tratava bem de mim. Nunca tinha lesões, acabava o treino e ia para casa ser massajado por ele. Tratava-me das pernas, dos pés, tive essa sorte.
zz – Segue o futebol italiano? O que antevê para os próximos duelos entre FC Porto e Inter?
MC – Gosto de ver, sim. O Inter está no segundo lugar, tem melhorado e o FC Porto tem ainda de jogar em Alavalade [a entrevista foi gravada na véspera]. Depende muito de como as duas equipas estiverem nodia de jogo, até em termos físicos. O Sérgio [Conceição] não vai poder poupar ninguém e há muitas lesões a recuperar. Vai ser um duelo bonito.
zz – O San Siro impõe respeito?
MC – As bancadas são fantásticas, mas sempre que joguei lá o relvado estava em mau estado. Não sei como está agora, espero que tenham resolvido isso.
2-0 | ||
Benni McCarthy 35' | Marco Materazzi 22' (p.b.) |