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    Mário João entrevistado por Rui Miguel Tovar

    «Antes do Benfica ser campeão europeu, nós dizíamos Portugal e os estrangeiros respondiam Amália Rodrigues»

    E6

    A Taça/Liga dos Campeões vai arrancar, é a 69.ª edição. O objectivo é o título. O sonho só se torna realidade para a esmagadora minoria. Imagine-se agora o sonho em dose dupla em anos seguidos. É o que acontece com Mário João, agora o português mais velho a sagrar-se campeão europeu, em 1961.

    Aos 88 anos de (boa) vida, Mário João transpira categoria. O transpira é literal, o homem recebe-nos a suar na gare marítima do Barreiro. E de camisa vermelha de alças, todo fit. ‘Já fui à praia: uma hora de bicicleta e uma série de exercícios na areia. Vou sempre à praia, todos os dias.’

    Sentamo-nos ali perto, na paragem de um autocarro fantasma, e começa o espectáculo.

    Um dos golos do Benfica na final ganha ao Real Madrid @Getty / PA Images

    Nasceu no Barreiro e fez a formação na CUF.

    Ahahahah, a formação. Não havia iniciados na AF Setúbal, só na AF Lisboa. Por isso, entrei com idade juvenil e já treinava com os juniores. Pouco tempo depois, comecei a treinar com os seniores. Em 1954, a CUF subiu à 1.ª divisão nos seniores e chegou à final do campeonato nacional de juniores.

    E o Mário João?

    Joguei a final. Aliás, as três finais.

    Três?

    E seguidas. Foi domingo, desempate no outro domingo e outro desempate à segunda-feira, 24 horas depois.

    Onde?

    Sempre na Tapadinha. Perdemos com a Académica. Eles eram batidos e nós uns miúdos.

    E quem treinava a CUF?

    Um senhor chamado João Mário, ex-Belenenses e ex-CUF. Mas isso já foi há quase 70 anos.

    E como é que aparece no Benfica?

    O Otto Glória foi ver essa final. O Otto era o maior, só lhe digo. Criou o Lar do Jogador numa altura em que os jogadores dormiam em pensões. Calhou o Arsénio ir do Benfica para a CUF e eles aproveitaram para alguém fazer a viagem contrária.

    Foi o Mário João.

    Nem mais, entrei no Benfica a 1 Agosto 1955.

    E porque é que não jogou no Benfica durante duas épocas?

    Fui para a tropa, dois anos de serviço militar.

    Onde?

    Sempre em Lisboa. Entrava às oito e saía às cinco, não dava para treinar.

    Nem ao fim da tarde?

    Ao fim da tarde? Ahahahahah. Não havia treinos à tarde, só de manhã. As competições europeias é que vieram alterar essa realidade e, aí sim, passámos a treinar de manhã e à tarde. Mas olhe uma coisa: vivia no Lar do Jogador, ali na calçada do Tojal, e jogava nas reservas aos sábados e nos principiantes aos domingos.

    Bem, bem. E aquilo do Lar do Jogador era certinho ou vocês eram saídos da casca?

    [Mário João olha para mim estupefacto] Aquilo era rigoroso ao máximo. Almoço às 12, jantar às 19, apagar as luzes às 23. Até havia um nutricionista que nos avaliava e cuidava de todos os jogadores individualmente antes de passar a informação para os cozinheiros. Tudo isto é Otto Glória.

    Então deixa a tropa em?

    1957.

    E é campeão europeu em 1961. Porque é que só jogou o primeiro e o último jogo dessa campanha?

    Aleijei-me precisamente na estreia, com o Hearts, na Escócia. Fiz uma rotura no adutor. Na altura, era uma lesão que levava quatro meses a recuperar. Agora é um mês ou nem isso. Nesse dia na Escócia, fui para o lado esquerdo e fiz número. Foi o Cavém quem ocupou a minha posição. E bem, como sempre. O Cavém era um senhor da bola, sabia todos os mandamentos e jogou em todas as posições, menos a de guarda-redes. Sabe quem é que me tratou?

    Nem ideia.

    O doutor Aníbal Costa, médico do Sporting. Veja lá bem como é engraçado. Como o doutor era o médico do presidente do Benfica, o Maurício Vieira de Brito, a ligação fez-se e eu ia a casa do doutor, ali em Campo de Ourique.

    Qual era o tratamento?

    Novocaína dia sim, dia não.

    Quatro meses?

    Quatro meses. Tive uma recaída ou outra, porque queria muito voltar à equipa.

    E?

    Quando me sentia melhor, arriscava o treino com bola.

    E?

    Rebentava logo. Veja lá bem, não podia descer do eléctrico em movimento. Tinha de esperar que ele parasse por completo.

    E o Benfica sempre a jogar.

    Fomos campeões nacionais e europeus em 1960-61.

    Como é que o Mário João aparece de repente na final?

    De repente? Olha olha. Joguei uns quatro ou cinco jogos na 1.ª divisão. Lutei muito para recuperar a posição.

    Muito bem, desculpe. E a final, que tal?

    Era o Barcelona, super favorito. E quem é que ganhou?

    O Benfica, 3:2.

    Pois é.

    Porquê?

    Mário João
    Benfica
    Total
    89 Jogos  8010 Minutos
    4   0   0   02x
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    Éramos muito bons, acredite. Aquilo que passámos nos últimos 15 minutos com a pressão constante do Barcelona foi um sufoco que só uma defesa como a do Benfica podia aguentar.

    Não é o Mário João quem salva um golo na linha?

    Ahahahah, pois foi. Cabeceamento de Kocsis e eu alivio com o pé, junto ao poste. Essa linha da frente, nossa senhora: Kubala, Kocsis, Evaristo, Suárez e Czibor. Melhor só a da Hungria: Kubala, Kocsis, Hidegkuti, Puskas e Czibor.

    E o Mário João marcou quem?

    Czibor.

    Era bom?

    Se era bom? Epá, nem me fale disso. O homem era bico de obra, sempre em drible estilo Simões.

    E como é que se safou?

    Nem vai acreditar.

    Belisque-me.

    Nunca tinha visto jogar o Czibor. No dia do jogo com o Barcelona, entre o almoço e o jogo, estava eu no sofá à entrada do hotel e o Trabucho Alexandre, um grande jornalista do Record, abeirou-se de mim e perguntou-me: ‘Estás aflito, não estás?’ E estava mesmo. Então ele, que era um homem do mundo, cheio de conhecimento internacional, disse-me que o Czibor costumava receber a bola e recuava antes de driblar duas vezes para dentro e de cruzar para a área.

    Foi remédio santo para o Mário João?

    Então não foi? Assim que ele recebia a bola, já sabia o que ele fazer e pude antecipar-lhe. Marquei-o à distância e dei-me bem.

    Mas o 3:2 do Barcelona é dele, do Czibor.

    Verdade, um remate fora da área, indefensável. A bola entrou rente à trave. Eu estava na linha de golo e não tive qualquer hipótese de travar o golo.

    E depois?

    Foi aquela pressão alta de que lhe falei. Quando o árbitro apitou para o final, nem me aguentava em pé.

    Grande alegria, imagino.

    Não imagina, não. O futebol português mudou nesse dia. Antes dessa final, sempre que íamos jogar fora de Portugal, perguntavam-nos se éramos brasileiros ou espanhóis. E quando nós dizíamos Portugal, todos diziam Amália Rodrigues.

    Já é Guttmann, o treinador.

    Muito complicado falar do Guttmann. Tinha um feitio complicado. Até o desculpo por tudo o que deve ter passado com a 2.ª Guerra Mundial, mas era mauzinho. Só falava com José Águas, José Augusto e Costa Pereira. Os outros, chapéu.

    E mais?

    Não comia connosco.

    Nunca?

    Nem pensar.

    Então?

    Andava à volta das nossas mesas.

    Mesas?

    Nós comíamos em mesas de quatro. Havia uma bem engraçada: Coluna, Torres, Mendes e Cavém. Só bebiam vinho Coluna e Cavém, o Torres e o Mendes nunca tocavam no vinho.

    E o Guttmann andava às voltas das mesas?

    Para [compasso de espera]. Sei lá. Supervisionar quem bebia o quê. Mas nós não éramos estúpidos.

    Ahahahah. Imagino.

    E dávamos a volta ao velho.

    De um título europeu para o outro, aparece o Eusébio.

    Antes era José Augusto, Santana, Águas, Coluna e Cavém. Quando o Eusébio chegou, não houve hipótese nenhuma. Fui eu quem o recebi no lar a uma segunda-feira e fomos treinar na terça e quarta. Íamos de eléctrico, veja lá bem. Não tínhamos carro nem papel [Mário João faz o gesto com as mãos de dinheiro]. Como os condutores dos eléctricos eram do Benfica, deixavam-nos andar de graça.

    Só iam vocês de eléctrico?

    Nesses dias, sim.

    E os outros do Lar do Jogador?

    O Costa Pereira e o Pegado iam numa arrastadeira, por exemplo. Agora fala-se muito do balneário. Baaaaaaaaaah. Têm shampoo e tudo o mais. A gente tinha sabão. Quando acabava, pedíamos mais ao Tzé.

    Tzé?

    O nosso roupeiro.

    E o massagista era o Hamilton Marques?

    Antes dele, era o Mão de Pilão. Veio com o Otto Glória e tinha sido campeão de boxe no Brasil. Depois, sim, entrou o Hamilton Marques da Pena, sobrinho do Manuel Marques, do Sporting. Você pensa que o Hamilton eram quem? Acha que ele metia um penso à mão? Tudo com uma pinça. O homem era um craque, como poucos.

    Grande espectáculo. Estávamos a falar do Eusébio.

    É verdade, tem razão. Eusébio chegou ao Lar a uma segunda-feira. Treinámos terça e quarta-feira. À quinta era o treino de conjunto.

    E?

    O Eusébio partiu aquilo tudo, parecia que jogava connosco há anos e anos. Vimos logo aí que alguém tinha de sair.

    Santana?

    O Guttmann ainda tirou o Neto do meio-campo e meteu lá o Santana, só que o Santana não sabia marcar um adversário. Na altura era assim, todos faziam marcação individual. Eu marcava sempre o extremo-esquerdo, o número 11. Agora é cada um faz o que quer e, às vezes, farto-me de rir. Queria ver os de hoje a marcar o Puskas ou o Gento.

     

    [toca o hino do Benfica, é a dentista do Mário João]

     

    Atenção que também entra outro senhor do futebol na final de 1962.

    Quem?

    Simões.

    Ah pois é.

    Você não vai acreditar: em 1959, a gente vivia no lar do Benfica e havia ali perto o Fofó. Um belo dia, fomos ver um jogo e estava lá um miúdo que era uma máquina, completamente diferente dos outros. Havia ali qualquer coisa. Bem, passou-se um ano. Dois. E começo a ouvir falar de um tal Simões nos juniores do Benfica. Que era diferente e que o Benfica tinha o futuro assegurado. Mais uma vez, os seniores do Benfica foram ver um jogo, agora dos juniores, um Benfica-Sporting. E revi o Simões. O Simões era o miúdo do Fofó. Parece mentira, é a mais pura das verdades.

    Grande Simões.

    Quando ele chegou ao lar, foi dormir para o meu quarto, juntamente com o Humberto Fernandes. Eram quartos com três camas. O Simões começou a época sem ir a jogo e, de repente, por culpa de uma expulsão do Cavém, apareceu em Montevideu para jogar o desempate da Taça Intercontinental com o Peñarol. Entrou no onze e nunca mais saiu.

    E a mudança foi só essa?

    O Guttmann aí tirou o Neto e meteu o Cavém para incluir o Simões a extremo-esquerdo.

    Nessa final de 1962, com o Real Madrid, o Mário João marca quem?

    Gento, porra. Que animal. Já viu o que era um gajo a correr com bola os 100 metros em 11 segundos?

    E já o conhecia ou?

    Este já não me enganava, como o Czibor. Já o tinha visto jogar na selecção num Portugal-Espanha e também o via na televisão. Até no cinema, veja bem.

    Ahahahah.

    Antes dos filmes, davam sempre as notícias e lá aparecia um resumo de jogo do Real Madrid.

    Qual a diferença entre Czibor e Gento?

    A velocidade. A táctica do Real Madrid era simples: o Puskas metia a bola a 30 metros e o Gento corria desalmadamente. Assim que via o Puskas com a bola, começava a correr e acompanhava o Gento. Quando ele controlava a bola, desarmava-o no chão. Sempre fui bom nesse tipo de lances.

    Grande exibição?

    Tão grande que todos os jogadores do Benfica me abraçaram no final do jogo. O Gento era o melhor do mundo naquele tempo. Jogava como ninguém.

    Falaram depois do jogo?

    Trocámos de camisola e o 11 de Gento está no museu do Benfica.

    Voltou a vê-lo?

    No funeral do Di Stéfano, em 2014. Mal me viu, reconheceu-me, abraçou-me e disse-me que tinha sido o defesa mais difícil de ultrapassar.

    Di Stéfano.

    Pelé, grande jogador. Eusébio, grande jogador. Di Stéfano era o mais completo, o maior. Garanto-lhe. Sabe porquê?

    Diga.

    Ele vinha buscar a bola à sua área e distribuía jogo. Como se isso fosse pouco, ainda ia concluir essa mesma jogada lá à frente. O homem era perfeito em tudo: pé direito, pé esquerdo, cabeça, ombro, calcanhar, coxa, peito.

    O Mário João é bicampeão europeu e nunca mais joga no Benfica. Porquê?

    Acabaram os sete anos de licença sem vencimento na CUF.

    A sério?

    A sério, sim. Quando a CUF me libertou para o Benfica, foi por sete anos. O tempo passa e recebi uma carta nesse sentido por parte da CUF a perguntar-me se queria ser reintegrado ou ir para o Benfica em definitivo.

    Caramba.

    Já era o Fernando Riera, o treinador. Passámos quase um mês em digressão pela Escandinávia. Nunca mais me esqueço, porque tinha acabado de me casar. Nesse mês com o Riera, o lateral-direito era o Humberto Fernandes. Tudo bem, era a opção do do de me casar. Nesse mês com o Riera, o lateral-direito era o Humberto Fernandes. Tudo bem, era a opção do Riera. Regressámos a Portugal e voltámos a sair para jogar o Teresa Herrera. Mais uma vez, o titular foi o Humberto Fernandes. Quando chegámos a Portugal em definitivo para competir na 1.ª divisão e Taça de Portugal, cheguei a casa e deparei-me com a tal carta.

    E agora?

    Aconteceu uma coisa impensável. O Manuel da Luz Afonso, que era todo arrogante e tinha a mania que era mais que os outros, disse-me ‘ó Mário João, vamos fazer um contrato por um ano para ver o que dás’. Fiquei fora de mim. Então acabei de ser bicampeão europeu, tinha já 27 anos e ia ver o que dava?

    Atirou-se a ele?

    Atirar-me atirar-me, nem por isso. Mas falei-lhe na cara ‘ouça lá, você está a broncar comigo?’ Agarrei na tal carta e disse-lhe que ia embora do Benfica. Como naquele tempo ninguém saía dos clubes de ânimo leve, ainda vivíamos presos à unilateral intransigência dos dirigentes, ele pensava que podia fazer o que queria de mim. Despachei-o para o Gastão Silva, outro dirigente, este do alto.

    E ele, e ele?

    ‘O Mário João pode sair do Benfica quando quiser’.

    E o Mário João?

    Fui ter com o Riera, que tinha acabado de nomear os convocados para a Taça Intercontinental com o Santos, e disse-lhe que ia sair.

    Como?

    Assim ó: ‘mister, vou-me embora.’ O Riera ficou meio atrapalhado e disse ‘mas estou a contar consigo’.

    E o Mário João, repito-me?

    Você está a contar comigo e nunca me pôs a jogar, como é que é? O Riera engoliu em seco e fui-me embora para a CUF.

    Qual a diferença?

    Ganhava quatro contos no Benfica.

    E na CUF?

    Dois e mil na CUF-empresa e mil e meio na CUF-clube. Dava os quatro contos à mesma, só que o emprego dava garantias que um clube não oferecia. Por isso mesmo, houve jogadores do Benfica a querer seguir os meus passos.

    Só que?

    Só que eu já trabalhava na CUF e fui readmitido. Aliás, fui reintegrado. Sete anos depois, recomecei a fazer o mesmo.

    O quê?

    Empregado de escritório.

    E jogou com o Milan?

    Três jogos, que eliminatória louca e fantástica. Eles tinham o Sormani. E o Rivera, que estava ao nível de Messis e Ronaldos. E também joguei com o Maldini. E, olhe, o pai era melhor que o filho.

    A sério, o Cesare melhor que o Paolo?

    Então não era? Vi os dois e posso avaliar.

    Acredito.

    O pai era melhor com os dois pés.

    E quem decidiu essa eliminatória?

    Nem me diga nada, um rapaz chamado Lodetti. Nunca mais me esqueci desse nome.

    Quem era o treinador dessa CUF?

    Apanhei o Manuel de Oliveira.

    Grande artista.

    Artista mesmo, porra. Também apanhei o Anselmo Fernandes, um gentleman. O melhor homem que encontrei no futebol, que senhor. Foi campeão da Taça das Taças pelo Sporting em 1964.

    Sporting, imagino os dérbis com o Benfica.

    Grandes tempos, aquilo era fogo bom.

    Apanhou quem do Sporting?

    Quem? O Seminario, o mais eléctrico de todos. O homem, um peruano craque, jogava como ninguém. Também joguei com o Vadinho à minha frente. Esse brasileiro cheio de finta em todo o corpo. O quinteto mais luxuoso do Sporting que apanhei foi Hugo, Faustino, Vadinho, Geo e Seminário.

    E o melhor do FC Porto?

    Carlos Duarte, Hernâni, Jaburu, Gastão, Perdigão. O Carlos Duarte era um José Augusto ou um Simões. O Hernâni era um Coluna. As pessoas é que não sabem nada, porque não viram nem há muitas imagens. Se você os visse jogar, ficava de boca aberta.

    Nem duvido, a malta de hoje só vê os mesmos e só fasla dos mais recentes.

    A malta sabe lá. Você é Rui, não é?

    Isso mesmo.

    A malta sabe lá, ó Rui. Joguei com o Santos do Pelé. Se as pessoas soubessem como jogava o Mengálvio. Ou o Coutinho. Ou o Pepe. Esse Pepe tinha um pontapé como nunca vi mais ninguém.

    E defesas?

    Ó Rui, não puxe por mim.

    Então?

    Então? A malta falava do Grimaldo. O Grimaldo isto, o Grimaldo aquilo. O Grimaldo nem lugar tinha nas reservas. 90% dos golos sofridos pelo Benfica eram pelo lado dele. Ó Rui, francamente. Se as pessoas vissem bem futebol. Se.

    Se?

    Ele era um passador autêntico. Fazia uns golos bons, sim senhor, mas não sabia cabecear, não sabia desarmar, não sabia marcar um adversário. Este miúdo, o Bah, é muito melhor que ele como lateral. Quando me falam de lateral, lembro-me sempre do Cavém. O homem era craque da cabeça aos pés. Era o meu colega de quarto nas digressões, sabe?

    E então?

    Era um polivalente, jogava e jogou em qualquer lado. E era como um irmão. Digo-lhe uma coisa: levávamos sempre duas garrafinhas de Casal Garcia e três latas de conserva. O Guttmann só nos autorizava a comer bifes com puré de batata mais fruta e salada à vontade.

    Já é bom.

    Ahhhhhhhh [em desacordo]. Metíamos a garrafa no autoclismo, sacávamos uma latinha de conserva e estava feita a noite. E só nos fazia bem.

    E o Guttmann?

    Nem desconfiava.

    E como era ele no banco de suplentes?

    Acha que era como agora? Ele só falava connosco na sala do balneário a dar a equipa. E era muito rápido: Costa Pereira, Joao (assim mesmo, sem acento), Angelo [assim mesmo, sem acento circunflexo] e pronto. Lá dentro a gente é que resolvia as coisas. Às vezes, dizia ‘ó Mário, diz aí ao Neto para prender o jogo a meio-campo porque os gajos estão sempre a atacar-nos.’

    O Mário era o Coluna?

    Nem mais.

    O capitão?

    Por acaso, o capitão era o Águas. Mas não havia a figura do capitão. Não havia capitães nem nada pá, não brinquem comigo. O Águas era só para escolher o campo.

    E o Mário João viu as outras finais europeias do Benfica?

    Só na televisão. Tenho lá dinheiro para isso. Quer dizer, vi duas ao vivo, ambas a convite do Benfica.

    Quais?

    A do PSV, em Estugarda. E voltei a ver uma com o Sevilha, em Turim.

    As duas finais dos penáltis?

    [Mário João fica a olhar para mim, as alças vermelhas impõem-me respeito e dou por terminado o meu serviço]

    Portugal
    Mário João
    NomeMário João Sousa Alves
    Nascimento/Idade1935-06-06(88 anos)
    Nacionalidade
    Portugal
    Portugal
    PosiçãoDefesa (Defesa Direito) / Defesa (Defesa Central)

    Fotografias(2)

    Comentários

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    motivo:
    Que memória, Mário João!. . .
    2023-09-19 17h41m por armandocravo
    Eu não sou muito mais novo, mas recordo-me de quase tudo, o que MJ conta sobre o Benfica! Que essa memória te acompanhe, até ao resto da tua vida, Mário João.
    JO
    Excelente
    2023-09-19 16h35m por jonyvice
    Excelente entrevista!
    Na minha opinião todos os amantes de futebol e principalmente benfiquistas deveriam ler este artigo
    Estrangeiros
    2023-09-19 02h07m por OJ_Silva
    Eram mesmo ignorantes.
    CrookSoul
    2023-09-18 20h59m por AngelEyes
    E depois há pessoal que diz que foi da ditadura eheh. Só visto!
    Erros
    2023-09-18 20h17m por CrookSoul
    Tem um erro n'a resposta do Sr. João ao 'Caramba' do Rui quando se fala de Fernando Riera. "Tudo bem, era a opção do do de me casar. " e tem outro pequeno erro + abaixo mas quando fui procurar, esqueci-me lol

    Interessante
    2023-09-18 20h06m por CrookSoul
    Como defende a sua era; um futebol diferente mas já era mágico. O pormaior de considerar Di Stefano o melhor de sempre acho espetacular porque ele jogou contra os melhores e isso é um facto. Ainda fala do Grimaldo como se de um Bruno Cortez se tratasse, que riso xD imagino o Grimaldo a marcar um Gento ou Czibor lol que auto estrada. Realmente nao temos noçao do quanto esta equipa jogava porque para derrubar uma equipa que dominava o futebol por completo (5 primeiras Champions no bolso) era p...ler comentário completo »

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