Não há Brasil-Argentina nas meias, mas há Argentina! Com Messi em grande plano, a albiceleste esteve a vencer os Países Baixos por 2-0, mas van Gaal encontrou em Wout Weghorst uma fórmula para mudar a história do jogo.
O avançado do Besiktas entrou para empatar a partida, com o 2-2 a surgir de um livre cobrado de forma tão criativa como inesperada e, oito anos depois, tudo voltou a ficar decidido nos penáltis. Uma vez mais, venceu a Argentina.
Oito anos depois, o reencontro. Depois daquele 0-0 que acabou em festa argentina e estava ainda atravessado na garganta de vários neerlandeses, incluíndo van Gaal, que no pré-jogo deixou claras as intenções de vingança.
A batalha entre neerlandeses e argentinos teve momentos de agressividade, de muita emoção e até de alguns excessos, mas como qualquer película de ação, começou num clima de aparente tranquilidade.
Durante largos minutos, as duas equipas pareciam não ter capacidade para ferir as defesas contrárias. A Argentina colocou-se por cima, muito por mérito de Rodrigo de Paul e Mac Allister (excelente Mundial do jogador do Brighton) mas nem rematou à baliza, enquanto a equipa de van Gaal conseguia ter bola no seu meio-campo, mas também foi totalmente incapaz para chegar à área albiceleste.
No meio desse impasse, Messi recebeu a bola. O 10, ao contrário de Lucky Luke, não é o pistoleiro mais rápido do que a própria sombra, mas tem uma arte especial no momento de disparar a bala, mesmo que o destino principal não seja a baliza.
Molina até começou a jogada em esforço, mas o rosto mudou assim que percebeu a quem tinha passado a bola. O ala do Atlético continuou a correr porque do pé esquerdo de Messi tudo é possível. Na repetição, vê-se que o 10 nem olha para o colega, ou pelo menos não levanta a cabeça para o ver. Chama-se leitura de jogo. Bola pelo meio das pernas de Aké e entre os defesas neerlandeses. Molina, que não hesitou em acreditar em Messi, estava lá para receber, abrir o marcador e correr para o abraço sentido do seu capitão.
A batalha tinha começado.
Em desvantagem, as dificuldades da equipa neerlandesa foram evidentes. Van Gaal demorou a encontrar uma tática para alterar a história do jogo e a Argentina aproveitou como quis. Com linhas recuadas e cada vez menos jogadores na frente, os argentinos deram mais iniciativa aos Países Baixos, que usaram e abusaram da profundidade, controlada sem dificuldade pelos defesas da albiceleste.
Com o jogo à sua medida, a Argentina esperou por um momento para resolver a partida e esse momento chegou quando Acuña caiu na área neerlandesa. Penálti de Dumfries e golo de Messi, com Noppert preso ao relvado enquanto os argentinos festejavam o segundo golo que, atendendo ao pouco que os Países Baixos tinham feito até então, parecia ter resolvido a partida.
Só com o 0-2 é que van Gaal decidiu procurar outras alternativas para ferir o adversário. No papel, a imagem não era bonita, mas a ideia foi simples e levou-nos quase aos primórdios do futebol, onde as películas eram a preto e branco.
Berghuis passou para o flanco e Wout Weghorst entrou com uma missão - juntar-se a Luuk de Jong e dominar a área albiceste. Spoiler alert: missão bem sucedida!
Com verdadeiros pistoleiros na frente de ataque, a mecânica da seleção laranja viu-se obrigada a funcionar de forma diferente, mas funcionou finalmente. Num ápice, Weghorst fez uso do seu 1m97 e deu esperanças aos Países Baixos com um tiro de cabeça. A batalha ficou mais acesa do que nunca. Entre a música deste western ao estilo futebolístico, soava o apito de Mateu Lahoz, protagonista num filme que cada vez mais primava pela emoção do que pelo espetáculo em si.
Como um bom filme, a melhor parte esteve guardada para o final, estendido para lá dos 100 minutos por um espanhol que não tinha nada a perder, nem a ganhar. A cena começa numa falta sobre Weghorst à entrada da área argentina.
O livre, convertido por Koopmeiners, é difícil de explicar por escrito, tal a raridade da execução. O resto coube a Weghorst, que impôs o físico e, com o público já de pé para aplaudir, disparou o tiro que nos sentou de novo nas cadeiras, de boca aberta e mente preparada para mais 30 minutos sem grande espetáculo, mas com muita emoção à mistura.
Ao contrário do que acontece com a maioria dos filmes, a sequela estava a ser bem mais interessante do que o original. Oito anos depois, Países Baixos e Argentina voltaram a precisar de tempo extra para resolver as divergências no campo de batalha em que se tornou o Lusail Iconic Stadium.
Depois daqueles minutos inesperados, a pausa permitiu-nos respirar, agarrar o primeiro snack que encontramos e encarar o prolongamento de mente aberta: já nada nos podia surpreender. Enzo, com um remate ao poste no final do tempo extra, ainda tentou, mas já todos tínhamos percebido de que forma iria acabar o filme.
Os neerlandeses falharam os dois primeiros penáltis, Enzo Fernández teve a passagem na mão mas atirou ao lado. Lautaro Martínez não sucumbiu à pressão e ao quinto penálti, apurou a Argentina para as meias-finais. Voltou a dar luta, mas a vingança terá de ficar para outra altura, caro van Gaal.
Não foi bonito, mas foi eficaz e emocionante. Van Gaal foi com tudo para a luta e os Países Baixos recuperaram quando já nada o fazia prever. Weghorst foi o rosto principal dessa recuperação, que acabou por não ter o fruto desejado por manifesto azar (e incompetência nas grandes penalidades).
Estava a ser uma partida tranquila para a equipa de Scaloni, até que os jogadores começaram a entrar em quezílias desnecessárias e perderam o sangue frio. A falta cometida sobre Weghorst no final do tempo regulamentar foi o exemplo claro de uma equipa que, durante esse período, esteve de cabeça perdida.