Nasceu numa família de origem hebraica, em 1899, na Budapeste do virar do século, que era então a capital da província húngara do Império Austro-Húngaro. Os pais Abraham e Ester, bailarinos de profissão, educaram musicalmente o filho desde pequeno, que ainda muito novo também se dedicou à dança. Durante a adolescência apaixonou-se também pelo futebol, um desporto que chegara entretanto ao centro da Europa, proveniente de Inglaterra.
Os pais insistiam para que prosseguisse a dança, e aos dezasseis anos já era professor de dança clássica, mas a paixão pelo futebol levou a melhor, começando a jogar no Törekvés, onde se tornou profissional. Seguiu depois para o MTK antes de se mudar de armas e bagagens para Viena, onde defendeu as cores do clube da comunidade judaica da cidade, o Hakoah Vienna.
Viena
A capital austríaca era um centro de cultura e ciência, umas das cidades mais importantes da Europa, com uma vida artística que rivalizava com Paris ou Nova Iorque. Austríacos e alemães, judeus, checos, húngaros, ruténios, polacos, italianos, todos convergiam na antiga capital do Império dos Habsburgos, que depois do fim da
II Guerra Mundial se tornara a capital da recém-independente Républica Austríaca.
Viena era então uma cidade apaixonante. Com um estimulante debate intelectual, político e cultural. Nos seus inúmeros café, discutiam-se apaixonadamente as grandes questões culturais do tempo. Além das obras de Schönberg, dos quadros de Klimt, ou dos mais recentes avanços de Freud no campo da psicanálise. O futebol era tema recorrente nas kaffeehaus da cidade do Danúbio.
Apaixonado pela cidade, como bom filho do Império Austro-Húngaro,
Guttmann abraçou de corpo e alma a cultura vienense, aprofundando a sua paixão pela música, pela dança, enquanto jogava futebol e terminava os estudos em psicologia. Apesar do seu amor pela Áustria, não renegou a sua Hungria natal, e representou os magiares nos Jogos Olímpicos de Paris em 1924.
Passagem por Nova Iorque
Em 1925 sagrou-se campeão no Hakoah, num feito histórico, nunca mais repetido pelo pequeno clube da comunidade Judaica. Um ano depois, não resistiu aos convites e promessas que vinham do outro lado do Atlântico e mudou-se para os Estados Unidos.
Mas em terras de Tio Sam o futebol não tinha expressão nenhuma, e o
Guttmann rapidamente percebeu o estado das coisas, dedicando mais tempo ao ensino da dança, com que rapidamente começou a enriquecer, ao mesmo tempo que dava uns pontapés no NY Giants, para não perder o hábito da bola...
Em Nova Iorque descobriu o capitalismo na sua mais gloriosa e atraente forma, e cedo se viu em Wall Street a investir o dinheiro que ia ganhando. Com dedo para o negócio, aprendeu rapidamente a investir no momento e no local certo, enriquecendo e ganhando uma legião de amigos que o acompanhava para todo o lado.
Tudo corria bem até uma célebre Quinta-Feira de Outubro de 1929, que passou à história como a «Quinta-Feira Negra», o dia em que o mercado de valores e capitais da bolsa de Nova Iorque colapsou, levando à ruína milhões de pessoas nos Estados Unidos. Guttmann perdeu nesse dia 55 mil dólares, uma fortuna à época, ficando na ruína. Pobre e sem dinheiro, foi abandonado por tudo e por todos, apelidado de «pobre pateta» por aqueles que até então o bajulavam. A pobreza e a humilhação deixariam fortes marcas na personalidade de
Guttmann, que a partir desse período, passou a considerar a sua segurança financeira a primeira de todas as prioridades.
Regresso à Europa
Uma alma caridosa deu-lhe a mão e um bilhete para regressar à Europa. Voltou para a «sua» Viena e por aí se radicou até se lhe perder o rasto na
II Guerra Mundial. Quando o conflito começou encontrava-se na sua cidade natal, treinando o Újpest. Durante os anos seguintes, ninguém sabe ao certo onde se refugiou. Alguns biógrafos apontam Paris ou Brasil como possibilidade, enquanto outros avançam com a possibilidade de ter estado num dos campos de concentração do III Reich, mas apesar de todas as teorias, a Suíça seria o destino mais provável e próximo, para um judeu que fugia à perseguição promovida pelos nazis.
Ao contrário do seu irmão mais velho, Béla sobreviveu ao conflito e ao Holocausto. Quando questionado sobre esse período,
Guttmann apenas terá dito que «Deus me ajudou».
Trota-mundos
Voltou para Budapeste onde treinou diversos clubes (e a seleção), chegando a ter uma grande discussão com o seu jogador
Puskas, quando dirigia o Honved, acabando por renunciar ao cargo.
Depois de ter abandonado a seleção e já depois de ter passado por clubes de Itália, treinou o Quilmes na Argentina e o Apoel em Chipre, antes de voltar a Itália para treinar o AC
Milan e o Vicenza.
Regressou então ao Honved, de onde saiu depois da Revolução Húngara rumo ao Brasil e a um contrato com o São Paulo FC, com o qual conquistou o Campeonato Paulista, captando a atenção do
FC Porto que o convenceu a atravessar o Atlântico e a tentar a sorte em
Portugal.
Quando chegou a
Portugal, Guttman estaria longe de imaginar o sucesso que iria ter em terras lusas. Logo na estreia, na época 1958/59, conduziu os azuis-e-brancos à conquista do Campeonato Nacional, algo que não acontecia desde que Yustrich deixara o clube, três anos antes. Não era fácil substituir a aura de sucesso do brasileiro - que quebrara um jejum de 14 anos - mas Guttman meteu mãos à obra e descansou os dirigentes do clube azul-e-branco, assegurando o sucesso no campeonato.
Numa última jornada dramática em Torres Vedras, a equipa do
FC Porto superou o Torreense e teve de ficar no meio do relvado à espera do fim do jogo do
Benfica, para poder festejar a conquista do Campeonato.
Os portistas muito contestaram esse último jogo do
Benfica e a arbitragem de Calabote, estando longe de imaginar que nesse momento, o seu treinador já tinha decidido mudar-se de armas e bagagens para a
Luz.
O céu na Luz e uma maldição
Em Lisboa, levou o
Benfica ao seu período mais áureo, conquistando um bicampeonato e lançando as bases do domínio avassalador dos encarnados no futebol português durante as duas décadas que se seguiram.
Comandando uma grande equipa, surpreendeu todos com os seus métodos revolucionários, que já tinham feito sucesso no
FC Porto, e conduziu o
Benfica a uma inesperada vitória na Taça dos Campeões Europeus, depois de o
Benfica nunca ter passado da primeira ronda na competição, e a segunda ronda só ter sido atingida uma vez pelo
Sporting, os clubes portugueses não eram tidos como possíveis vencedores, e mesmo depois de chegarem à final com o
Barcelona, poucos acreditavam na vitória encarnada. A vitória por 3x2 sobre o gigante catalão surpreendeu os benfiquistas e a Europa, mas não Béla
Guttmann, que já tinha os olhos postos na revalidação do título.
A época seguinte, Béla
Guttmann lançou Eusébio, a quem reconheceu logo um génio e uma capacidade capaz de rivalizar com Pelé. Com o jovem moçambicano em grande nível, o
Benfica bateria o Real por 5x3, com Eusébio a roubar a coroa a
Puskas.
Apesar da vitória, os benfiquistas não queriam pagar mais do que os 500 contos que já pagavam a Béla
Guttmann. Tentaram apelar ao coração do treinador, talvez não estando cientes da sua díficil história de vida.
Guttmann não cedeu e o
Benfica virou-se para o chileno Fernando Riera. Magoado
Guttmann lançou a sentença que ainda hoje petrifica o coração de todos os benfiquistas:
"Nem daqui a cem anos uma equipa portuguesa será bicampeã europeia e o Benfica jamais ganhará uma Taça dos Campeões sem mim."
Depois de lançada a maldição no
Benfica,
Guttmann passou pelo Peñarol do Uruguai e pela seleção austríaca, antes de voltar à
Luz e ao seu
Benfica, saradas que estavam as feridas da última passagem.
Mas como reza o ditado não se regressa a uma casa onde já se foi feliz, e a segunda passagem pelo
Benfica não rendeu nenhuma Taça dos Campeões, nem sequer o Campeonato, que nesse ano fugiu para o vizinho e rival
Sporting.
Sem sucesso, na opinião dos dirigentes encarnados, os seus tempos de glória já tinham passado, e libertaram-no para seguir a carreira à frente do Servette da Suíça.
Não seria feliz na Suíça, nem depois na Grécia onde treinou o Panathinaikos. Regressou mais tarde a Viena para treinar o Austria Memphis, antes de voltar ao
FC Porto, onde voltou a não ser feliz.
Abandonou a carreira, sem conquistar mais nenhum troféu desde a histórica final com o
Real Madrid em 1962, talvez devido à maldição que lançara ao
Benfica, aquela que muitos ainda hoje juram que foi a responsável pelas cinco finais da Taça dos Campeões perdidas pelo
Benfica, desde a saída de Béla
Guttmann do comando dos encarnados..