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      Atalanta

      Texto por Ricardo Miguel Gonçalves
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      Como nasce um deus? A mitologia grega responde que, à exceção das deidades primordiais, esse nascimento é ocorrência semelhante à dos comuns mortais. São filhos de titãs, ou outros deuses, mas abençoados com a vida eterna em representação de algo maior.

      Na religião, por norma, deuses não nascem. São entidades eternas que já existiam, quiçá produtos de uma faísca cósmica, e estão eles na origem de tudo o que conhecemos. O(s) criador(es), acima de tudo o resto.

      Para os ateus, ou céticos no geral, todo e qualquer deus nasce da ignorância e credulidade humana.

      Tentámos alargar os horizontes para responder a uma questão maior, mas em Bérgamo a pergunta que abre este texto tem uma resposta mais simples. Uma deusa nasce pela vontade de um grupo de estudantes do ensino secundário! Pelo menos nessa comuna italiana foi assim que aconteceu, em 1907...

      Desde aí, «A Deusa», como é apelidada a Atalanta, não se tornou (necessariamente) objeto de culto, mas sim uma das mais históricas entidades desportivas de Itália. Nunca a melhor do país, pelo menos de forma objetiva, mas quase sempre relevante num dos países que melhor trabalha o futebol. Esta é a sua história.

      Entre o mito e a história

      Tudo começa no dia 17 de outubro desse longínquo ano de 1907, quando cinco jovens (Eugenio Urio, Giulio and Ferruccio Amati, Alessandro Forlini and Giovanni Roberti) fundaram a Società Bergamasca di Ginnastica e Sports Atletici Atalanta, ou Sociedade de Ginástica e Desportos Atléticos de Bérgamo Atalanta.

      Mas porquê «A Deusa»? Ora, porque a única palavra desse extenso nome que não consta num dicionário, é o nome de uma figura da mitologia grega (daí termos começado por esse tema). Atalanta era conhecida pela sua capacidade atlética e por desafiar os seus pretendentes a uma corrida pelo direito de casamento com ela, que sempre os vencia. 

      Salientamos, em nome do máximo rigor, que a Atalanta não era realmente uma divindade. Mesmo dentro da mitologia, era uma mortal abandonada na infância e acolhida por caçadores, mas isso não impediu que os adeptos do clube, talvez apenas cientes da ligação mitológica, começassem a referir-se a Atalanta como Deusa - «La Dea», em italiano. 

      A alcunha pegou e em Itália foi usada quase tão frequentemente como o nome original, até que, algumas décadas depois, a face da mulher passou a ser o símbolo do clube. Outra alcunha comum é orobici, referente à população pré-romana que está na origem de Bérgamo (os Orobi).

      A primeira representação da «Deusa» no símbolo
      O resto da identidade visual do clube também chegou rapidamente ao que verificamos hoje. Começou com listas verticais negras e brancas, até que em 1920, ano em que se fundiu com o Bergamasca e passou a ter o atual nome (Atalanta Bergamasca Calcio), começou a vestir de trocou o branco pelo azul. Adequado também o nome «nerazzurri», tão menos comum, ainda assim, devido ao gigante da cidade vizinha.

      Andar de elevador

      A secção de futebol começou logo em 1907, aquando o nascimento do clube, mas só disputou amigáveis até ser reconhecido oficialmente pela federação italiana (FIGC) em 1914. Em 1914/15, na estreia oficial, a equipa competiu no segundo escalão do futebol nacional.

      Nos anos 20, já com o nome e cores atuais, jogou pela primeira vez na divisão de topo. Voltou a descer, mas isso permitiu à Atalanta conquistar, em 1928, o primeiro troféu da sua história, quando se sagraram campeões desse segundo escalão.

      Piero Gardoni, capitão, levanta a Taça de Itália em 1963 @Atalanta BC
      Apenas um ano depois, já regressava à Serie B, que tinha pela primeira vez esse nome, e em 1937 e 1938 voltou a repetir essa proeza, de subida e descida em anos consecutivos. Pelo meio dessas duas viagens no elevador do futebol italiano, a Atalanta esteve perto de deixar de existir, mas o risco de falência foi evitado graças à ajuda de alguns elementos do clube e principalmente à venda de Carlo Ceresoli ao Inter de Milão (então Ambrosiana Inter), por 100 mil liras.

      Em 1940, novo título na Serie B e nova subida, que dessa vez deu lugar à maior permanência até aí conseguida no principal escalão. A equipa conseguiu grandes prestações, incluindo um sexto lugar imediatamente no ano de regresso, mas acabou por descer novamente em 1958.

      O primeiro gostinho de Europa

      A dimensão do clube ficou evidente pela forma como conquistou imediatamente o título do segundo escalão, o terceiro da sua história, de forma a regressar ao lugar mais adequado: a Serie A.

      Aí começa um dos melhores da história orobici. Em 1962/63, a Atalanta bate o Torino por 3-1, graças a um hat-trick de Angelo Domenghini, e celebra a conquista da Taça de Itália. É, até à atualidade, o único troféu conseguido nesta competição, em cinco finais.

      Estreia UEFA, um 2-0 ao Sporting @Atalanta
      Foi também na década de 60 que a equipa se estreou nas competições europeias. Jogou a Taça das Taças em 1963, naturalmente, mas caiu dessa competição frente a oposição lusa: o Sporting, que fez dessa edição a sua primeira e única conquista europeia, começou a aventura em Bérgamo (vitória dos italianos por 2-0), mas eliminou a Atalanta num jogo de desempate, após um 3-1 em Lisboa.

      Par fechar uma década histórica, em 1969 houve nova descida, sendo que se seguiram os anos 70 de constante promoção e despromoção. Uma verdadeira equipa iô-iô em Itália! Situação agravada em 1981, quando a Atalanta foi, pela primeira e única vez na sua história, despromovida à Serie C1...

      O problema foi retificado com a subida imediata à Serie B e La Dea levantou o troféu desse segundo escalão pela quarta vez na sua história em 1984. Voltou a descer no ano de 1987, mas foi, simultaneamente, finalista vencido na Coppa Italia, frente ao Napoli de Maradona.

      Uma vez que o Napoli tinha sido campeão, a Atalanta, mesmo que apenas vice e então no segundo escalão do futebol italiano, voltou a garantir um lugar na Taça das Taças... e fez história! Eliminou os galeses do Methyr Town, os gregos do OFI e nos quartos de final vingou-se do Sporting com um agregado de 3-1, voltando cair frente ao eventual vencedor KV Mechelen (Bélgica). 

      Essa chegada às meias finais é, ainda assim, a melhor prestação UEFA de sempre de uma equipa que não disputava a primeira divisão do seu país!

      Claro que a Atalanta voltou ao primeiro escalão, não muito depois, e até voltou a jogar competições europeias. Disputou a Taça UEFA em épocas consecutivas (1989/90 e 1990/91), primeiro caindo na ronda inaugural contra o Spartak Moskva e depois chegando aos quartos de final, onde só foi eliminado nos quartos pelos vizinhos do Inter, eventuais campeões que ainda eliminaram, nas meias-finais, o Sporting.

      A melhor página da história do clube chegou no século XXI @Getty / Soccrates Images

      A máquina goleadora de Gasperini

      Depois de nova descida e imediata promoção a meio da década de 90, a Atalanta teve em Filippo Inzaghi o primeiro jogador capaz de se sagrar melhor marcador da Serie A ao serviço da deusa. O internacional italiano fez 24 golos.

      Mas o estatuto de equipa iô-iô nunca descolou. A equipa continuou a alternar frequentemente entre a Serie A e a Serie B, conquistando o título desse segundo escalão pela sexta e última vez em 2010/11, mesmo que com implicações nos escândalos de apostas que assombraram Itália.

      Seguiram-se cinco temporadas na metade inferior da tabela, até que em 2016 chegou um homem que mudou tudo...

      Gasperini levou os holofotes a Bérgamo @Getty /
      Gian Piero Gasperini trazia no currículo uma má passagem pelo Inter, alguma competência no Genoa e no Crotone, e zero títulos conquistados. Começou mal e esteve até perto do despedimento na temporada inaugural em Bérgamo, mas virou a sorte e acabou por chegar ao estatuto de lenda na Atalanta.

      Nessa primeira temporada terminou em quarto, depois ficou em sétimo, numa temporada em que começava a conciliar futebol doméstico e europeu com recursos limitados, e depois, entre 2018 e 2021, três épocas consecutivas em que a Atalanta terminou num impressionante terceiro lugar! 

      Não foi só o hat-trick de pódios na Serie A, mas sim a forma como foram alcançados. Gasperini criou uma máquina de goleadas que por duas vezes ultrapassou a marca dos 90 golos apenas na Liga, permitindo à Atalanta tornar-se uma das equipas mais apreciadas de todo o Mundo.

      Na Luz, vazia fruto da pandemia que se vivia, a Atalanta foi eliminada pelo PSG @Getty Images
      Se era a Deusa, então tinha em Gasperini um messias e no seu habitual 3x5x2 um livro sagrado. Faltaram os títulos, mas de resto tudo corria bem à equipa, tanto que em 2019/20, época de estreia na Liga dos Campeões, caíram apenas nos quartos de final frente ao poderoso PSG.

      Aliás, essa derrota por 2-1, já depois de terem passado a fase de grupos e goleado o Valencia por 8-4 nos oitavos, só chegou porque os parisienses viraram o jogo do avesso com golos aos 90 e 90+3! Se não fossem esses três minutos, jogariam as meias contra o RB Leipzig e, quiçá, a final...

      No ano seguinte caíram nos oitavos, perante o Real Madrid, e na final da Taça de Itália frente à Juventus. A equipa quebrou ligeiramente em 2021/22, caindo na fase de grupos da Liga dos Campeões e terminando em oitavo na Serie A, antes de Gasperini se adaptar à perda de alguns jogadores importantes. depois de o fazer, voltou a comandar La Dea aos lugares europeus. Continuava o conto de fadas, mesmo que com menos golos.

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